Corte de cauda e orelhas na raça Dobermann
Cauda e orelhas, cortar ou manter íntegros? É uma pergunta que muitas pessoas que nos procuram fazem.
O corte de cauda e orelhas de cães não é uma prática atual. Diversas raças foram desenvolvidas com esse ideal e naquela época, muito mais justificável. Os cães eram utilizados em caça, rinha, guarda etc, e não era possível encontrar um veterinário em cada esquina para salvar um cão com sangramento intenso na cauda nem fazer facilmente um tratamento adequado para um otohematoma ou lesões nas orelhas. Por isso em cães de caça era feito um corte mais longo apenas de cauda [a orelha nesse caso é funcional] e nos cães de guarda e rinha muitas vezes era feito um corte bem curto.
A cauda é a extensão da coluna vertebral e é formada por várias vértebras pequenas, músculos, pele. Apresenta inúmeras terminações nervosas e por isso é uma parte bastante sensível do corpo do animal. A prática do corte de cauda nunca nos trouxe conforto. Ouvir o choro durante o corte, o cheiro de sangue, ver as fêmeas aflitas por serem separadas dos filhotes e toda a situação que isso causava sempre causou enorme apreensão. Definitivamente preferimos nos acostumar com a cauda íntegra. E hoje preferimos assim.
Pesquisando sobre o assunto, encontramos uma opinião interessante em um blog de medicina veterinária: ‘Há indícios de que animais caudectomizados (com a cauda cortada) desde filhotes têm maior propensão a manifestações agressivas fora de contexto. Tal fato se explica na deficiência da comunicação desse filhote, o que faz com que desenvolva uma agressividade defensiva aprendida na sua relação com seus irmãos de ninhada ou com outros cães adultos. Outra explicação para a agressividade é a possível dor crônica do coto. A remoção cirúrgica da cauda pode sensibilizar continuamente terminações nervosas e gerar dor.’ [Dr. Guilherme Marques Soares - CRMV RJ 5092]
Já tivemos cães que demoraram mais de 60 dias para ter uma cicatrização completa da cauda [corte precoce] e cães que ficaram com uma grande aderência no local. Vimos casos inclusive em que foi necessário operar novamente. Enquanto isso, os cães que vimos realizar um corte com anestesia e utilização de medicação, por mais que nos primeiros dias possa não parecer tão agradável, tiveram uma melhor recuperação e, até num caso em que houve infecção local, não ouvimos um choro sequer.
De qualquer forma, independente da técnica menos invasiva, fato é que ao realizar a caudectomia, estamos cortando a extensão da coluna do cão. A prática [como proprietários e criadores] mostrou que tal procedimento não é danoso a ponto de ser considerado mutilante. Cães operados normalmente vivem muito bem. Porém não vimos nenhum benefício gerado pelo mesmo.
Em uma ninhada de dobermann fizemos a experiência de não cortar a cauda de uma das filhotes. Ela foi a primeira em tudo. Após 8 ninhadas sem caudectomia precoce, só vimos benefícios no desenvolvimento dos filhotes.
Com relação às orelhas, apesar da vascularização e de uma área maior com pontos, é uma cirurgia que afeta menos o cão que a caudectomia. Sua maior desvantagem na raça dobermann é o uso de talas por um bom período. E há o risco de as orelhas não subirem.
Nossos primeiros dobermanns tiveram orelhas íntegras. Houveram alguns machucados em brigas mas sempre a cicatrização foi muito rápida. Por mais que não pareça lógico, só tivemos otohematomas e otites mais severas em cães com conchectomia.
Portanto, baseado em nossa experiência e observando a experiência de outros criadores, não vemos nenhuma vantagem em realizar a prática da caudectomia e da conchectomia. Observamos vantagens em manter filhotes com cauda e nenhuma desvantagem até o momento em ter cães de cauda e orelha íntegras. É claro que pode haver fraturas e machucados. Assim como pode haver nas patas, focinho, orelhas operadas etc.
Além do que o corte idealizado atualmente para a raça dobermann é longo e perde as características funcionais que evitariam machucados.
Porém, a maior desvantagem de operar cauda e orelhas é o fato de submeter o cão a uma cirurgia desnecessária e que provavelmente será feita no período de vacinas quando o filhote ainda não está 100% imunizado contra doenças como parvovirose e cinomose. E claro, estamos falando de um procedimento cirúrgico que como todo procedimento, gera riscos.
Com relação à proibição no Brasil, o Conselho Federal de Medicina Veterinária [CFMV] determinou por meio da Resolução nº 1027, de 18 de junho de 2013, a proibição da prática de caudectomia para fins estéticos. Desde 2008, o CFMV proíbe a cordectomia [cirurgia que retira as cordas vocais dos animais], a conchectomia [para levantar as orelhas] e a onicectomia [extração das unhas de gatos]. Porém o Estatuto do Conselho não lhe confere esse poder. É o mesmo que a OAB proibir os advogados de entrarem com habeas corpus para determinados tipos de crimes por considerar imoral. Tal proibição deve ser feita por lei federal, como ocorre em outros países. Mas na prática, muitos veterinários não realizam essas cirurgias.
No que diz respeito à raça dobermann, o Dobermann Verein alterou o padrão para cauda e orelhas íntegras. As mudanças foram aprovadas pelo Comitê Geral da FCI e entram em vigor em 01 de agosto de 2016.
Cremos que não é necessário romantizar essa questão conceituando caudectomia e conchectomia como cirurgias mutilantes, cruéis etc. Mas são realmente necessárias? Trazem algum benefício além de satisfazer um gosto estético? Cremos que cabe a cada um ler e refletir sobre o assunto.
Somos a favor e acatamos o novo padrão independente dos motivos da alteração. Beleza é apenas uma questão de ponto de vista. Não gosta? Mude o ponto. Um exemplar da raça dobermann, quando está no padrão da raça, é bonito íntegro ou operado. Ninguém é obrigado a gostar de cauda e orelhas íntegras e alguns provavelmente idealizarão corte de cauda e orelhas para sempre. Mas quem não sabe identificar um bom exemplar por causa disso, talvez apenas não saiba identificar um bom exemplar. Dobermann é muito mais que cauda e orelhas. Acima da estética está a sua funcionalidade e saúde. E seu desenvolvimento objetivou acima de tudo um guardião e protetor pessoal.
Canil Von Nordsonne